Mesmo sem cérebro, as plantas reconhecem as horas do dia

 

Pesquisadores do University's Sainsbury Laboratory revelam como as plantas reconhecem as horas do dia e coordenam seus ritmos celulares. Plantas tomam decisões e entender esse processo pode ajudar na criação de novas variedades. *

Qualquer humano que tenha sofrido um jet lag (cansaço extremo após um longo voo por vários fusos horários) entende quão poderosos são os nossos relógios biológicos.

Sabe-se que nossas células têm seu próprio relógio molecular, capazes de gerar aumento e queda diário da quantidade de proteínas produzidas em um ciclo de 24h.

O cérebro conta com um relógio-mestre que mantém o resto do corpo sincronizado através de sinais de luz captado pelos olhos e o ajusta de acordo com as oscilações do ambiente. Nossos olhos e cérebro dependem da luz solar para coordenar a atividade do corpo de acordo com a hora do dia.

Ritmo circadiano

As plantas têm ritmos circadianos (leia quadro) semelhantes através dos quais reconhecem as horas, preparam-se para a fotossíntese antes do amanhecer, ativam os mecanismos de proteção contra o calor antes da parte mais quente do dia e produzem néctar quando os polinizadores estão mais propensos às visitas.

O metabolismo do corpo humano é controlado por um relógio biológico que determina períodos de maior e menor energia relacionados diretamente ao ciclo claro/escuro da luz solar. Estes ciclos são físicos, mentais e comportamentais e recebem o nome de ritmos circadianos. O melhor exemplo de um ritmo circadiano é a rotina de sono, que envolve ficar ativo e desperto ao longo do dia e sentir cansaço e dormir no período noturno. 
Fonte: Infoescola 

Auto-organização local

Assim como nos seres humanos, todas as células da planta parecem ter seu próprio relógio. Mas as plantas não têm cérebro. Como então elas mantém seus relógios sincronizados? Como coordenam seus ritmos celulares?

Os pesquisadores mostram que todas as células da planta coordenam-se parcialmente através da auto-organização local, um efetivo mecanismo das células vegetais informarem sua leitura de tempo às células vizinhas, de maneira semelhante aos cardumes e bandos de pássaros que nadam, voam como se fossem um único indivíduo.

Pesquisadores do passado descobriram que a planta tem diferentes relógios em suas diferentes partes, podendo isso ser detectado medindo-se os picos diários de produção de proteína em cada órgão. Tais produções geram oscilações nas 24h em processos biológicos. Por exemplo as proteínas do relógio ativam a produção de outras proteínas responsáveis pela fotossíntese nas folhas imediatamente antes do amanhecer.

Os pesquisadores atuais examinaram o relógio dos principais órgãos da planta para entender como coordenam seu tempo de forma que a planta toda funcione em harmonia.

Como funciona

Descobriram que nas mudas de Arabidopsis thaliana (da família Brassicaceae, a mesma do agrião, repolho e brócolis), a produção de proteína atinge o pico em diferentes momentos em cada órgão. Folhas, raízes e caules recebem sinais diferentes de seu microambiente local, como luz e temperatura, e usam essas informações para definir seu próprio ritmo de maneira independente.

A questão é: se os ritmos de diferentes órgãos estão fora de sincronia, as plantas sofrem uma espécie de jet lag interno?

Mesmo que os relógios em diferentes órgãos atinjam o pico em diferentes momentos, não há descontrole. De maneira surpreendente, as células começam a formar padrões de ondas espaciais onde as células vizinhas atrasam-se uma após a outra.

É como num estádio quando espectadores formam a conhecida "ola", ou seja, levantam e erguem os braços em fileiras sucessivas, criando um movimento ondulatório na multidão.

Outro exemplo na natureza

Os pesquisadores do University's Sainsbury Laboratory destacam que essas ondas surgem quando as células começam a se comunicar. Quando a quantidade de proteínas em uma célula atinge o pico, a célula comunica-se com seus vizinhos mais lentos, que seguem o exemplo da primeira célula e aumentam a sua produção de proteína. Essas fazem o mesmo com seus vizinhos e assim por diante.

Tais padrões podem ser observados em outras formas vivas da natureza. Algumas espécies de vagalume formam padrões de ondas espaciais à medida que sincronizam seus flashes com os vizinhos.

Tomada de decisão local

A tomada de decisão local pelas células combinada com a sinalização entre elas explicam como as plantas funcionam sem ter um cérebro.

Células de diferentes partes da planta tomam decisões diferentes sobre como crescer. As células da parte aérea e da raiz podem otimizar separadamente o seu crescimento de acordo com suas condições locais. A parte aérea pode se curvar em direção à luz quando esta é desobstruída e as raízes podem crescer em direção à água ou a um solo mais rico em nutrientes. Da mesma forma, as plantas sobrevivem à perda de órgãos por danos ou ataques de herbívoro.

Plasticidade

O mecanismo pode explicar como as plantas são capazes de adaptar continuamente seu crescimento e desenvolvimento para lidar com as mudanças em seu habitat. Isso é reconhecido pelos cientistas como plasticidade. Entender como as plantas tomam decisões não é apenas interessante, mas ajuda na criação de novas variedades que possam responder ao seu ambiente cada vez mais exposto às mudanças climáticas.

(*) Traduzido de University's Sainsbury Laboratory